“Calma, minha senhora! Calma, só disse bom-dia, a senhora não gostou, terminou. Até logo. E bom dia.”
Ela me fuzilou com o olhar. Fuzilar é uma palavra antiga, minha avó usava. Assim como usei acima enredar. Segui, entrei na padaria. Na CPL, tem uma foto imensa minha e um trecho poético sobre essa instituição que são as padarias em São Paulo. Os dois PMs que tomam um café ali de manhã me cumprimentaram, a Cabo Renata me bateu continência, saudei-a com um aceno festivo. Essa mulher estuda línguas, tem um grupo musical e outro de teatro dentro da corporação. Boas surpresas. Esqueço a velha impertinente, meu dia foi compensado.
Mais tarde, tomo um táxi.
“Bom dia, por favor, pode me levar à Ala- meda Lorena?”
Endereço da Mara, minha fisioterapeuta. O motorista vira o rosto, me dá um sorriso.
“O que está acontecendo hoje?” “Como?”
“O senhor é o terceiro que entra no carro, diz bom-dia e por favor.”
“E o que há de estranho nisso?” “Trabalho na praça há 38 anos. De uns
tempos para cá, deixei de ouvir palavras que eram normais.”
“Como?”
“Bom dia. Por favor. Por gentileza… O senhor pode me levar a… Fique com o troco… Muito obrigado. Fique com Deus. Ou vá com Deus.”
“Pessoas educadas, meu caro.”
“Antes era assim, hoje parece que a educação foi sumindo. As pessoas entram apressadas, agitadas, batem a porta com violência, celular na mão, ficam digitando, falando, falando, já de manhã estão nervosas, ansiosas, grosseiras.”
“O mundo está ficando assim. Todo mundo fora de si. As boas maneiras, coisas simples, foram esquecidas. Todo mundo agressivo, na ponta dos cascos, pronto a estourar.”
“Será que não têm medo de um ataque cardíaco?”
Está assim o clima. Chefes irritados, pedindo pressa. Nós nos surpreendendo a nós mesmos ao pedir pressa, vai urgente, voando aos motoboys, vá, vá, corra, entregue e volte. O mundo está acabando? Dia desses, ao entrar em um grande banco, vi um senhor empurrando a porta, pedi, segure a porta, por favor. Ele olhou para trás e, quando me aproximei, largou a porta na minha cara. Para quê? Por quê? O que a pessoa ganha com isso? Está descontando o quê? O problema é – certamente – dele. Não meu.
Dia desses, no Acervo, ótimo sebo aqui perto de casa, na Rua Artur de Azevedo, vi um velho Guia de boas maneiras, perguntei ao Josué, o dono:
“Há quanto tempo está aí?”
“Deixo de propósito. Há 47 anos…” Lembro-me de que eram best-sellers. O
velho Marcelino de Carvalho tinha um que vendia sem parar.
Hoje, tanta coisa ficou obsoleta e parece-me que a educação, as boas maneiras, a simpatia, a gentileza, a consideração, o tratar bem o outro, o dar lugar, o ceder a vez, o pedir por favor, por gentileza, por obséquio (outro termo antigo) desapareceram, da mesma maneira que sumiram as antigas civilizações.